sexta-feira, 14 de março de 2008

Dez anos de privatização. E daí?

As empresas de telefonia, quase todas de capital estrangeiro, faturam alto no País. Mas, investem por ano, em média, menos de 10% do que ganham. Econômicas, ainda não cumpriram 100% a promessa de levar telefone a todos os brasileiros. E quanto a qualidade e preço justo... Fala sério!

Em 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso, alegando que era preciso modernizar o setor, decidiu privatizar os serviços de telecomunicações no Brasil. Ante o timbre nacionalista (e démodé) dos críticos do neo-liberalismo, o argumento de FHC parecia fulminante. “A privatização vai permitir que se leve telefone mesmo aos lugares mais isolados deste país continental. Melhor: com qualidade e preço bem mais acessível”, ele prometia.

A privatização veio... O então sistema Telebrás, integrando a totalidade das empresas que operavam nos Estados, foi vendido pela bagatela de R$ 22,2 bilhões. A quantia não chegou a representar 10% dos investimentos realizados pelo sistema no período de 1993 a 1997.

Capitanias Hereditárias...

Os norte-americanos, espanhóis e portugueses lotearam as telecomunicações no Brasil. Assim se reeditou, nas telecomunicações, o modelo das Capitanias Hereditárias. As mesmas pelas quais, no século XVI, a Coroa de Portugal doou grande parte das terras brasileiras a umas poucas famílias, do Norte-Nordeste ao Sudeste. As mesmas latifundiárias de hoje. Só mudam as moscas...

A Embratel, que declara receita líquida de US$ 3,5 bilhões no ano passado, engordando a fortuna do mexicano Carlos Slim, o homem mais rico do planeta, na privatização, foi arrematada por apenas US$ 650 milhões. A Telemar, que agrupou 16 operadoras, do Norte-Nordeste ao Sudeste, única a permanecer em mãos do capital nacional, ficou com a família Jereissati, do Ceará, que, curiosamente, pagou apenas 5% do valor mínimo apregoado no leilão. Em 2007, a Telemar, rebatizada de Oi, faturou perto de US$ 5 bilhões. Na lista das mais bem-sucedidas, figura logo abaixo da Telefônica, com receita líquida de US$ 7,1 bilhões.

Na festa da privatização, o Banco Opportunity, de Daniel Dantas, afilhado político de Antônio Carlos Magalhães (que Olorum o tenha...), assumiu o controle de algumas empresas, apesar de não entender nada do riscado e ter criado as empresas holding às vésperas da privatização. Daniel Dantas acabou em bocas de matildes, envolvido na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investigou (sic) fraudes no setor, sujeira boiou saída do mesmo esgoto de onde veio o escândalo do “mensalão”. A CPI acabou em pizza. E os Dantas continuam cada vez mais ricos...

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), acusado de dar uma de muquirana na hora de financiar as empresas nacionais, sobretudo as de pequeno e médio portes, foi de uma generosidade inexplicável com os loteadores do sistema Telebrás. O banco transformou em regra geral o que devia ter sido apenas exceção, aplicada em casos extremos: comprar ações dos grupos então formados, para garantir a execução do projeto privatização, que, convenhamos, não pára de fazer água...

E nós... top... top...

O que é que nós lucramos, nestes dez anos? Não sei você. Mas eu, pessoalmente, somente um dos Prêmios Imprensa Embratel que ganhei. O primeiro, acredite, eu levei descendo a lenha na própria – a Embratel –, com a reportagem “Agora, só nos resta torcer”.

Não adiantou torcer. Logo no primeiro ano de privatização, nos Procons, Brasil afora, as operadoras de serviços de telefonia assumiram o primeiríssimo lugar no ranking da bronca. Um lugar que sempre pertencera às lojas de móveis e eletrodomésticos. E nunca mais saíram de lá. Em janeiro, segundo o placar estampado no portal da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que publica a baixaria, mas não faz nada!, em telefonia fixa, no mês de janeiro, a Embratel do ricaço mexicano e a espanhola Telefônica eram as campeãs da reclamação.


As operadoras, assim como a descansada da Anatel, reconhecem que, em matéria de qualidade e preço, ainda é longo o caminho a percorrer. No caso específico dos preços, o vilão, desculpam-se, são os impostos, que oneram em 45% o valor das faturas que pagamos. Mas costumam dizer, com a maior sem-cerimônia, que a promessa da universalização (de levar telefone a todos os cantos do País) foi cumprida. Afinal, argumentam, são quase 140 milhões de telefones fixos – cerca de 74 por grupo de 100 habitantes.

Isso é verdade? Só até a segunda página. Em bairros de enorme densidade populacional, no coração da maior cidade da América Latina, São Paulo, é possível caminhar quilômetros sem encontrar um “orelhão”. Caso das comunidades de Paraisópolis, Heliópolis e Piraporinha, terra essa da criativa e poética Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia). O que dizer, então, das cidadezinhas que acompanham o leito dos rios São Francisco e Amazonas? Que universalização é essa? Universalização... Fala sério!

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