domingo, 21 de novembro de 2010

Coisas sobre o amor


Amar só não basta. Há que saber amar. Com o cérebro, coração, todos os nervos e vasos sanguíneos. Aquele amor que se derrama por dentro. Se estiver frio, aquece. Se estiver quente, refresca. Se houver ferida, cicatriza. Não há virtude no ato de amar. Amar é destino. Obrigação. Amar é como ter nas mãos pássaros e borboletas: é sentir o pulso da vida nas próprias mãos...

Quando se ama, não basta compor a canção que dirá desse amor. Há que escrever aquela que, anos e anos depois, sem que ninguém mais a cante, ainda paire no ar. Uma canção que tenha cheiro e sabor. Quando amo (sempre), não me bastam os dias de sol e as noites de lua cheia. Quero os dias ensolarados na praia em que a Lua e o Sol flertem, mirando-se no mesmo teto. Para alcançá-los, só preciso estender a mão.

Amor é que nem doce de goiaba: o bom tem de estar lá, curtido no tacho, para gente comer na ponta da colher de pau.

No amor, aliás, saber cozinhar é fundamental! Nunca entendi a inclusão da mais soberba ignorância culinária na receita do feminismo. Que me perdoem as minhas amigas, mas o orgasmo começa na receita de suflê que se cozinha para o homem amado. Na infusão, arroz, frutos do mar, açafrão, ervas finas, leite de coco, limão, sal, pimenta... e o tempero sagrado que vem das entranhas.

Bom é ver o homem amado comer e, depois, farto, ficar ali, com os olhos estatelados... Entre a vigília e o sono... Sem nenhuma culpa. Um orgasmo temperado. Lençois de cetim, travesseiros de pena de ganso, luz de velas, perfume de rosas, uvas e morangos muitos, tudo isso é bom. Mas, no amor, saber cozinhar é fundamental!

No meio da tarde de sábado, depois da faxina, casa cheirando a incenso, o que pode ser melhor do que ver o homem amado abrir o melhor vinho branco? A lentidão do gesto deve ser tamanha, que eu terei tempo o bastante para contar uma história de dar risada (outra coisa essencial no amor: senso de humor. Senso de amor!). A degustação do vinho será do jeito mesmo como se começa a mais doce e louca posse da carne: devagar. Sem pressa. Gota a gota. Amores e bons vinhos, de igual delicadeza, não se ingerem. Nem tampouco se bebem. É preciso sorver... sorver... sorver...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Animal em extinção





Não me olhe assim...

sou do tempo do pique-bandeirinha,

dos pardais e rolinhas.

Sem susto, eles escalavam minha rua a pé.

Se um voava, outra vinha.

Gostoso era pegá-los nas armadilhas

caixas de sapato, vara de bambu e barbante.

Brinquedo barato, o passarinho, pulsando ali,

na mão, me ensinava, no breve instante,

o rico e eterno mistério da vida...

Sou do tempo das borboletas,

dos gafanhotos, das pererecas e da esperança,

saltando no verde do meu quintal...

Sou do tempo em que manga com leite era veneno.

Mas não matava.

Sou do tempo em que muito menos se matava.

Nem o prazer, sem a AIDS, era mortal...

Sou do tempo em que havia príncipes e princesas.

Tempo em que eu mesma, menina, vivia coroada...

Sou do tempo em que pensava ser amada. E era...

Sou do tempo da delicadeza,

das promessas cumpridas... da felicidade.

Ah! Que boa época era aquela...



São Paulo, 31 de agosto de 2010.

Privatização das telecomunicações. O golpe da qualidade





No pais desde sempre entregue à sanha dos saqueadores, o Ministério da Telecomunicações consente... e a Anatel a porta aos piratas.

Ainda me lembro bem (e como não me lembraria?) daquele janeiro de 1998, quando se anunciou a definitiva privatização dos serviços de telecomunicações no Brasil. Obrigados a dormir na fila para comprar linha por um preço que hoje cobre, com folga, os custos de três iPods, até mesmo os nacionalistas raivosos sucumbiram. O argumento era irresistível: mais linhas, a preços mais baixos e, melhor, com qualidade. Retrucar? Quem haveria? Eu mesma, que, durante anos, engrossara o exército de defesa da reserva do mercado brasileiro de computadores para as empresas nacionais, assistindo ao naufrágio do sonho de um selo brasileiro de TI, ponderei e, no mínimo parei para escutar o belo canto da sereia. Mas o título da matéria na qual eu, então, analisava a reviravolta das teles revelava cautela: “Agora, só nos resta torcer”, dizia, no título, a matéria que me valeu o I Prêmio Embratel. Um texto que, aliás, descia a lenha na própria – a Embratel.
Doze anos depois, não se pode negar o salto quantitativo. Brasil afora, são quase 200 milhões de linhas telefônicas, entre fixas e móveis, o que coloca o Pais no topo do ranking mundial da telefonia. Honroso quinto lugar. Espantosa é a disseminação dos celulares, transformados em escritórios móveis e balcões de venda: 176 milhões de linhas ativas, número que promete quase alcançar o de brasileiros. Antes de aprenderem a falar, crianças já têm um celular, mimo de pais assustados com a violência, de avós ou tios generosos.
Tudo estaria perfeito, se os preços ainda não se mantivessem longe, muito longe de corresponder às promessas e, mais, à expectativa de todos nós. Outro dia, Lars, meu amigo sueco, se espantava ao saber que fomos condenados a pagar a assinatura da linha ad-eternum. “Para sempre é muito tempo”, lembrou-me num Português atravessado, mas em mensagem carregada de sabedoria. De fato, para sempre, é a vida toda! Um minuto de ligação por mais de oito centavos, tomando por parâmetro outros mercados, é pura extorsão.
Pior, muito pior, é o flagrante e desavergonhado descumprimento da lei pelas operadoras em diversos outros quesitos. Por exemplo? Os erros na emissão das faturas (sempre para mais, a favor delas próprias, claro!). Quer mais? O tempo de espera na linha, quando se precisa ligar para a Central de Atendimento ao Consumidor, na maioria das vezes, na média, é superior a cinco minutos. Na espera, a pior música (sic). No atendimento, promessas que não se cumprem. “Vamos estar agendando”... Quem já tentou, sem quase infartar, interromper um serviço qualquer sem ser jogado daqui para lá? Uma falta de respeito!
Na telefonia móvel, quem é pré-pago (80% dos assinantes ativos deste pais) sabe o quanto dói... É quase uma punição àqueles que, como eu, se cansaram das más surpresas à apresentação de cada conta de celular pós-pago! Os serviços, sobretudo, os de roaming, são ruins e... muito, muito caros. Outro dia, assinante da TIM, cansada de cair no golpe da caixa postal, desisti dela: toda vez que tentava recuperar um recado, o sistema me informava que o serviço estava “indisponível”. Mas lá se iam meus créditos. Assim, fica fácil faturar!
Mas o pior de tudo é a imoralidade das transações, sempre nebulosas... mal explicadas. A impressão que se tem é de que se está na Camorra... A coisa é mafiosa! Com uma dívida já inimaginável de R$ 19 bilhões, depois de receber R$ 4,4 bilhões desse paizão, quase mãe, chamado BNDES, com a promessa de segurar a onda e garantir o título de maior empresa nacional, a Oi, codinome de Telemar, aquela mesma dos escândalos, de fato, ampliou a área de expansão também na direção Leste—Oeste—Sul, ao incorporar a Brasil Telecom. Mas, nessa brincadeirinha, elevou o rombo para além dos R$ 21 bilhões. Mais adiante, completou o desvario, vendendo 10% do capital à Portugal Telecom. Adeus empresa, nacional! E nós é que pagamos por mais essa deslavada mentira.
Tudo isso se dá embaixo do nariz do Ministério das Telecomunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações. No pais desde sempre entregue à sanha dos saqueadores, o governo consente... e a Anatel abre a porta aos piratas.

segunda-feira, 19 de julho de 2010


ACHO QUE ENVELHECI...


Dei pra chorar à toa, à mais remota lembrança do amolador da facas

(aquele da minha infância, e que tocava todas as canções de Dolores),

o meu pranto se desata...

Não posso ver cena de novela!

Se tem fundo musical, ai, então,

"vete de mi": é um chororô sem tramela...

Acho que envelheci...

qualquer lembrança é tão vaga...

e tão presente...

Mas, então, de onde vem, quando te vejo,

este fogo que me consome?

Os idiotas diriam que, numa senhora,

chega a ser indecente...

Segura a onda, coroa!

De fato, o corpo é este, vergado pela artrite...

Mas o coração, lépido, arteiro,

não respeita nenhum comando.

E ama... ama...

Quando eu penso em ti, rio à toa.

No outono da minha vida,

caminho lenta...

Mas a minha alma ainda voa.

quarta-feira, 7 de abril de 2010







Cristo, salvai o meu Rio de Janeiro!



Às vezes por orgulho, plenamente justificável, outras vezes somente para afrontar os mortos de inveja – esses que me julgam mal somente porque tenho o privilégio de ser carioca –, às vezes, quando alguém me questiona (Você é carioca, é?), eu respondo “Sim, modéstia à parte”!
Há, nessa frase muito mais do que ironia. Há, isso sim, uma prece, subliminar, de agradecimento a Olorum pelo fato de ter-me escolhido, entre milhares de outras criaturas, para nascer, crescer, viver e amar o Rio de Janeiro. E eu amo, sim, o meu Rio de Janeiro! E não apenas pela beleza, de dar nó no coração e na garganta dos passantes mais desatentos...
O Rio de Janeiro merece ser amado pela bravura de uma cidade que, desde que Dom João VI se foi, de volta para Portugal, nunca mais teve quem fizesse tanto por ela... Depois dele, veio o filho, que, além de cortejar todas as belas mulheres da Corte, pretendeu fazer a Independência no grito... Deu no que deu: até hoje, nada de independência de fato! Muito tempo depois, o Rio de Janeiro, perdeu o status de capital da República e, antes mesmo que se pudesse recompor (isso nunca aconteceu...), veio a fusão do Estado da Guanabara com o Estado do Rio de Janeiro. Somados e multiplicados os problemas, a cidade ficou ainda mais desamparada.
Antes dos temporais, choveu Brizolas e Garotinhos... Ou seriam Molequinhos? A contravenção do jogo do bicho, que, pelo menos, respeitava a ética, por mais estranha e fora de moda – de não viciar crianças e jovens –, deu lugar ao crime organizado a serviço do tráfico... da violência explícita.
E, agora, a ira das chuvas, ajudada pela conspiração, o desmazelo, a falta de capricho e de vergonha dos governantes. A natureza, de mal com a gente, com toda razão, aliás, parece não fazer questão alguma de entender o que Tom Jobim quis dizer, quando cantou “as águas de março fechando o verão”.
Já houve quem dissesse que “Deus fez o Rio de Janeiro e avisou: Agora, é com vocês”. E lá se foi, sem mais olhar para trás... Não acredito. Quero crer, preciso crer que Deus ainda vive por lá. Depois de criar a maravilha das maravilhas, por ela apaixonou-se... e não pôde mais ir embora. Lá está o Rendentor. Com certeza, Deus petrificado, disfarçado... pra evitar a fila de pedintes... Imagine se as pessoas percebem que Ele está ali, disponível, todo ouvidos!
Cristo, salvai o meu Rio de Janeiro!
O Rio de Janeiro merece ser protegido...

Amém!

sábado, 27 de março de 2010

Mãe-silêncio...




Onde é que você dorme agora?
Já não me bastava a morte de nascer?
Desde então, nunca mais, nos meus ouvidos,
o surdo que batia no seu peito...
Mãe, cadê você?
Mãe-silêncio...
Onde é que você está agora,
assim... tão quieta...
e tão definitivamente jovem e bela?
Por que será que foi embora?
Será que foi encontrar alguém,
no jardim da memória?
Será que viajou na estrela?
Mãe-silêncio...
Tantas são as coisas que ficaram por dizer...
e tantas outras por calar...
Onde é que você está agora?
Será que entrou no retrato?
ou na paisagem que você mesma pintou... aquela?
Mãe-silêncio...
Se você despertar, serei uma boa menina...
Se você acordar, eu prometo:
não digo mais palavrão,
paro de beber, chego cedo em casa,
passo, lavo, cozinho...
Mãe, a velhice vem vindo logo ali, na esquina...
e ainda nem aprendi a arte do seu crochê...
Mãe, volte aqui!
Acorde, mãe! Diga alguma coisa!
Mãeeeeeeeeeeeeeeeeeê!

Memória da chuva*

Não sei de onde vem esta coisa que balança entre a inquietação e a alegria sem rótulo toda vez que chove... Uma coisa que se derrama aqui dentro. Que refresca e aquece... No peito e entre as pernas. Talvez brote da Oxum que dorme em mim... quem sabe? Talvez... Talvez a raiz esteja lá, plantada na lembrança cristalizada da menina que saltava as poças d’água, bolsos cheios de bolas de gude que cantavam a mais estranha canção, roçando-se umas nas outras. A água tépida da chuva sempre foi a coisa mais carinhosa que tocou minha pele, escorrendo em meus cabelos, emaranhados. Menina-novelo. Menina-meio-menino, mesmo sem cruzar, o arco-íris, o canhão de luz colorida que pintava as tardes lavadas pela tempestade no quintal da favela... e alimentava minha esperança de dias ainda mais luminosos. A chuva enxurrava humilhações e misérias... Que brilho tinha para mim a chuva, desenhando perfis medonhos na janela! Que fantásticos os diamantes que gotejavam... Antes, o aceno...
Não sei, não, meu amor, de onde vem, quando chove, esta vontade de me aninhar, de trepar até arder inteira e depois voar o vôo das amantes saciadas... Não sei... Não sei, meu amor, de onde vem, quando chove, a visão da vida e da morte, subitamente, fundidas no mesmo pedestal... Talvez me venha desta Oxum que dorme, desperta, ama, sorri e chora no lugar mais fundo de mim...
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* texto publicado na 39ª edição das Escritoras Suicidas (www.escritorassuicidas.com.br)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O ESPELHO DE PRÓSPERO*
Meus amores... segurei a onda até agora, vendo a maneira desdenhosa com a qual algumas pessoas se referem ao presidente Lula. Mas não dá mais... A gota d'água foi uma notinha preconceituosa, racista, abjeta que li nas Folhas... Não me posso mais calar. Ou eu não seria a LHC...
Não votei no Lula e, provavelmente, não votaria se ele se candidatasse outra vez. Mas não porque é o Lula... Na verdade, ainda não apareceu alguém que eu considere merecedor do meu voto para presidente da República. Em todos sempre sobra ou falta alguma coisa...
Nos últimos anos, só voto na Luiza Erundina. Mulher porreta! A única que passou pelo governo da maior cidade do pais sem enricar. Ainda hoje, mora no mesmo lugar e dirige o mesmo carrinho velho. O mesmo caráter. Mulher porreta!
Não votei no Lula porque ele não me inspirava a mais mínima confiança, cercado de vampiros, depois, aliás, apanhados com a boca em alguma jugular... José Dirceu era somente um deles...
Não votei no Lula talvez porque eu assisti ao primeiro comício que fez, no Campo de São Cristóvão, no meu Rio de Janeiro, quando o único defeito dele era o machismo (preferia dar entrevista às meninas...). Eu o entrevistei, em algumas greves... e, na campanha, já não reconhecia sequer a sombra daquele líder sindical impecável... Verniz demais... Como confiaria em alguém que mudou tanto?
Mas devo observar a sinceridade que caracteriza a jornalista que eu sou, a sinceridade que me faz, sempre, constatar e registrar o fato, nu a cru, sem distorções, apesar da minha convicção política.
Como cidadã e como jornalista, não dá para ser isenta, porque, simplesmente, eu não posso arrancar a minha própria pele... Mas devo ser honesta! E o que eu não posso negar é que o governo Lula não está sendo bom para mim. Eu estou necessariamente mais pobre do que era há dez anos. Mas Lula está sendo bom, sim, para a maioria pobre... Minha faxineira também só faz melhorar. Daqui a pouco, periga de ela me emprestar algum... Cantarola o dia inteiro... e gosta do Lula, pernambucano que nem ela.
Se há assistencialismo, paternalismo ou populismo isso já é outra coisa. Se a economia foi "artificialmente" inchada e vai murchar assim que o Lula virar as costas, isso nós vamos ver mais adiante (sinceramente, NÃO TORÇO PARA ISSO). Mas o que há para hoje, aqui, agora, é que os pobres ascenderam, sim, senhores! Que a nossa rejeição ao barbudão, inclusive porque preferimos o estilo refinado, não nos impeça de reconhecer a verdade dos fatos.
O poder de compra dos pobres deu um salto enorme. Melhor: a autoestima também... A esperança deu muitos saltos para cima. E, conforme dizia Ulisses Guimarães, "tire-se tudo do homem, menos a esperança"...
De repente, todos os "nordestinos mutilados" perceberam que, "se ele pôde, eu também hei de poder". De repente, todos os "seminanalfabetos" souberam, na prática, aquilo de que já suspeitavam: os homens de diploma, que não falam nóis vai, nóis vem, sabem Inglês, não tomam cachaça e não confessam que o povo está na merda, os elegantes, letrados não fizeram melhor... Não fizeram, simplesmente...
Mas, se os excluidos percebem isso, significa que se tornaram perigosos... Então, é preciso neutralizar a reação. Como? Desmoralizando o presidente -- o espelho de próspero. Aliás, ninguém faz isso melhor do que o brasileiro: falar mal de si mesmo, do país, do presidente, das coisas brasileiras. Do Lula, o mínimo que se diz é que é "burro"... Se a imagem projetada (do humilde) é boa, quebra-se o espelho... Mesmo sob pena de se ter sete anos de azar...
* Espelho de Próspero é o nome do livro no qual o historiador norte-americano, Richard Morse, à luz da História, identifica e analisa o que para ele, em nós, latino-americanos, seria uma tremenda crise de identidade. Nós não nos enxergamos uns nos outros...
LHC, a mulher-sigla
Se beber, não escreva. E nem leia!