domingo, 3 de março de 2013

FINALMENTE, DE VOLTA! 

Meus amigos, caríssimos leitores,

depois de quase dois anos de silêncio, a mim imposto pelas complicações da insuficiência renal, já quase refeita, aos poucos, vou retomando as atividades que me dão mais prazer. Entre elas, a produção de conteúdos para o Viva-Voz.

Para comemorar, dois dos textos poéticos que andei cometendo ao longo do tempo em que estive encerrada nos hospitais da vida. 

Sem poesia, não dá!

Lucia Helena Corrêa



A mulher no espelho*

por Lucia Helena Corrêa

O que dizem de mim não fala de quem sou eu... A maioria dos textos apenas me raspa a pele, tal e qual a gilete cega... Muito mais me retratam as muitas cicatrizes, pelo corpo afora. A primeira delas, na batata da perna esquerda, esculpiu-se no aprendizado com a bike, que abandonei antes de aprender a pilotar, a pedido de meu santo pai, o “velho” Guaracy. Sujeito de bom senso... Desastrada, fui estacionar na cerca de arrame farpado. Outra delas está estampada na sola do pé e documenta as andanças sobre tábuas de pregos, na verdadeira perseguição ao meu santo avó, o “velho” Bino, clarinetista e marceneiro. Perdi a conta do número de vezes que recorri às antitetânicas, essa espécie de anjo da Guarda das meninas-moleque feito eu. 

Trago cicatrizes na garganta e no ventre: amígdalas, apendicite, cesariana e vesícula... Só no pescoço, são oito. Oito tentativas, inúteis, de plantar um cateter para as sessões de hemodiálise. Um namorado vampiro, do tipo apaixonado fervoroso, não faria melhor... No peito, duas marcas de cirurgias para plantar outros dois acessos... Tudo isso sem falar nas cicatrizes no braço, para confecção de três fístulas... Na última, agora me bate o meu coração – aquele mesmo que, nos apaixonados e sobressaltados (que diferença?), pulsa na boca ou na mão...

Graças à generosidade da herança genética, ainda, não vejo rugas no meu rosto e ainda posso dar adeusinho sem precisar segurar as franjas sacolejantes do antebraço. Os fios brancos, sem a plástica das tintas, se existem, servem, tão-somente, para iluminar a minha honrosa carapinha.

Mas são tantas as minhas cicatrizes...

Muito mais e mais profundas são, porém, as cicatrizes que trago na alma, na lembrança, lanterna sempre acesa. Aquela cicatriz ali me plantou a perda do meu primeiro amigo, meu irmão de leite, no verde dos sete anos... Antes dele, eu compreendi, de maneira menos sangrenta, o que é a morte, quando um pardal expirou na minha mão, inutilizando todo esforço para reanimá-lo. Naquele momento, eu compreendi o que, afinal é o sopro da vida... De repente, não estava mais ali, mas, sim, uma porção inerte de penas... Que pena!

Todas as cicatrizes da minha alma têm nome, lugar e idade... Um show de perdas e danos... O amigo que morreu ou que desistiu de viver... O amor que se que quebrou e até aquele poema que ficou entalado na inércia da dor mais incomunicável...  Na hora do banho, se a esfregação for mais violenta, as cicatrizem da alma ainda “dolorem”... Mas já não sangram, por maiores e mais profundas que tenham sido as feridas... Afinal, são apenas cicatrizes, sinais claros de que vivi. Mais do que isso, evidências de que peguei a vida pelo gogó e enterrei as unhas nela. Sinais de que amei (muito), odiei (bem menos), de que arranhei e me arranhei na escalada.

E ainda quero mais... Espelho, espelho meu, existe mulher mais feliz do que eu?

* da série “Escritos Femininos” – prosa poética, no prelo   


Vista da janela

por Lucia Helena Corrêa

A dor me paralisa e a morte me espia.
Mas a alma, esguia, águia dos desertos,
não se entrega... e voa... voa... voa...
ainda mais alto do que os jatos
que desfilam no estreito quadrado da minha janela.
(Aonde é que vão?)
Se quisesse, eu os deteria: bastava esticar a mão.
De lá também me piscam as estrelas,
quando as luzes da fé se apagam...
São promessas de repouso e paz na escuridão.
A dor me paralisa e a morte me espia...
Às vezes, a Velha Ridícula me faz caretas.
Mas eu, alheia à ameaça, enriqueço
um pouco mais a cada dia,
contando diamantes na cauda dos cometas.

Um comentário:

Meimei Corrêa disse...

Festejando seu retorno, nós a abraçamos desejando saúde e sucesso. Muito bom poder retomar o que mais gostamos de fazer. Bjos nossos, Meimei Corrêa e Luiz Alberto Machado.