sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Só rindo... só rindo...

De volta do HC, não paro de pensar nas recomendações do meu médico. "LHC, sem querer alarmar ninguém" e, também, "sem querer ferir a ética, contestando as autoridades de saúde, os colegas de profissão", ele me diz, "a gripe suína está matando muito mais do que se confessa e se publica"...
No grupo de risco, é melhor eu ficar em casa, quietinha, ele aconselha, com aquele ar que o aproxima da irritante onisciência divina. Médicos são assim...

"Nada de incursões pelas boates da vida, nada de jogos no Maracanã ou no Morumbi... Se possível, evitar até mesmo as brincadeiras no parquinho, com as netas...", ele me condena.

Aliás, apertos de mão, sem a prévia desinfecção com sabonete de qualidade, nem pensar. Beijos? Nem nos meus sonhos mais eróticos... O erotismo, coitado, depois da AIDS, não esperava outro golpe. Mas ele veio: a gripe suína! Que porcaria!

Puta da vida, só me resta, uma vez mais, o consolo da poesia.

Só rindo... só rindo...

Tulipa do pós-guerra,
sobrevivi a Hiroshima
e, pela vida afora,
carioca da gema,
desviando das balas perdidas,
vivi buscando,
pra minha própria sorte,
uma outra rima,
algo menos definitivo
e triste do que a morte...

Tulipa do pós-guerra,
eu tive gripe asiática
e ainda me lembro de mim,
apática, sorumbática...
Eu me lembro que, febril,
eu voava... voava...
e sonhava... comigo...

Tulipa do pós-guerra,
o DNA, de baixa imunidade,
me condenou, sem rim,
a dormir ligada ao computador,
amarrada pelo umbigo.
E não há o que fazer:
agora, só com peça de reposição.
Mas, pra isso, alguém terá de morrer...

Tulipa do pós-guerra,
eu enfrentei a malária,
a anemia e a caxumba...
embora meu maior fantasma
sempre fosse, de longe, a solidão...
Um dia, irritei a vizinha
e, por conta de um ebó,
quase morro de macumba
.

Tulipa do pós-guerra,
na ditadura, corri da polícia,
e defendi a democracia
nesta pobre República.
O que restou da infância
-- bolas de gude --
eu gastei derrubando cavalos
e cavalheiros armados,
em plena praça pública.

Tulipa do pós-guerra,
depois de queimar o sutiã
e eleger a pílula,
quando eu driblava a AIDS
e me preparava para o amor,
pra delícia do tesão,
veio ela, a gripe suína...
E eu, no grupo de risco,
mal e porcamente,
posso, agora, apertar a sua mão...


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