domingo, 24 de março de 2013

Mas, então, por que o Brasil?*


O papa é argentino? É. Mas Deus continua sendo brasileiro! Nada contra os nossos vizinhos; apenas uma constatação...

Não tem jeito! Desde que os europeus aqui chegaram, portugueses, holandeses, ingleses, espanhóis e outros mais, não necessariamente nessa ordem, estabeleceu-a a esculhambação. Nada pior para avacalhar um país do que turistas sem educação. E, convenhamos, os primeiros que aqui chegaram... Até a matança dos nativos, nos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXI... antes da brutalidade que representou a expulsão deles do Museu do Índio, neste março de 2013, primeiro, foi a obscenidade das roupas que atiraram sobre a pele nua dos verdadeiros donos desta terra; depois, os espelhos, que instituiriam para sempre a prática do suborno, da corrupção, bem antes das cestas básicas e das dentaduras, objetos de barganha na caça aos votos. Pobres e bravos caciques! Contra a brutalidade e a falta de escrúpulos dos caras-pálidas quiseram exercitar a luta limpa, honrosa. Pobres donos da terra! Índios? Que índios? Uma pinoia! Nativos, os donos da terra, repito!

O Brasil é um País desde sempre saqueado pelos degredados da Coroa portuguesa, com a ajuda luxuosa do Poder Secular, com os jesuítas no comando. Na relação dos portugueses com o Brasil, a coisa menos abusiva foi o esforço de Don João VI, amante das palmeiras e das boas letras. Talvez tenha sido a única vez em que o colonizador usou a delicadeza no processo de aculturação. O único, talvez, que nos quis mostrar a cultura universal sem a empáfia dos que creem que só eles sabem das coisas – desde as gravatas, essa aberração num país tropical, até os espartilhos, passando pela crueldade mental da Abolição, após a qual, nós, os negros, ganhamos nada além do chão para andar. De preferência, longe da polícia. Cruz credo! 

A síndrome do abuso, do estupro cultural, com as honrosas exceções de sempre, acomete norte-americanos, franceses, italianos, ingleses... Que o digam as meninas prostituídas nas praias do Nordeste. Em vez de bonecas, filhas geradas fora do tempo, para realimentar o exército da pobreza... e, claro, a prostituição. É a roda da loucura social, que não se cansa de triturar esperanças.

Mas não é só. Vira e mexe, lá estão eles, os gringos, nas páginas da mídia internacional, nos ensinando a fazer economia, cuidar das nossas florestas, blá... blá... blá... Antes, os Estados Unidos, “pai” do equivocado monetarismo, país que não aprendeu a virtude da poupança, somente o pecado da gastança, foi à banca rota. E a Floresta Negra? Desapareceu 100%, queimada pelos bombardeios à Alemanha, durante a II Guerra Mundial, coisa de europeus... Mas eles não se lembram disso (não lhes convém lembrar) e agora querem respirar pelos nossos pulmões... 

Os europeus também não se lembram de que, depois da II Guerra, tiveram as respectivas dívidas perdoadas. Mas nós continuamos inadimplentes, nós que já lhes pagamos e continuam pagando com o saque das nossas riquezas, muitos juros e correção monetária. O Brasil continua sendo estuprado – florestas, pedras preciosas, plantas, animais silvestres e ouro (o mesmo que Portugal levou e hoje, com a maior sem-cerimônia chama de “ouro português, o melhor do mundo”). Nossos bens mais preciosos continuam cruzando a fronteira e engordando a fortuna dos saqueadores.

No Brasil, governantes e políticos são o que eu chamo de “o fim do resto”, a escória – a pior safra de todos os tempos! Jamais se viu tamanha cara de pau, omissão e capacidade de roubar o Erário Público. Jamais assistimos a tantos crimes de lesa-Pátria. A crise de liderança é total. Nunca mais nasceram os Ulisses Guimarães, os Pedro Simon, os Mário Covas... 

Este país vai de mal a pior! Mas, então, por que é que eu rosno para qualquer gringo que ouse falar mal do Brasil, seja aqui ou nas minhas viagens ao exterior? É que este país é o lixão mais delicioso do mundo. Brasil é Brasil... e ponto! E não há qualquer complexo de Poliana nisso. Numa festa do Partido Democrata, em Nova York, mesmo abominando George Bush, duvido que alguém experimentasse falar mal do presidente da República, aquela aberração! Só brasileiro fala mal de si mesmo...
 
O Brasil é uma merda? É. Mas me recuso a viver (sic) em qualquer outro lugar do mundo. Nos anos de chumbo, em plena ditadura militar, eu não tinha tanto medo de ser presa e torturada quanto de precisar viver no exílio. Meus piores pesadelos se desenhavam em torno dessa triste hipótese.

Estudar Jornalismo na Alemanha? Por que e para quê?, eu me perguntei, em 1973, quando me ofereceram bolsa de estudos. Não me dava gastura apenas o fato de ter de aprender uma língua com 16 declinações!!! Ora, se não admito viver fora do Brasil, que utilidade teria o Jornalismo aprendido na Alemanha, com certeza, incapaz de dar conta da cultura verde-e-amarela. No bom Jornalismo, motivação, continente e conteúdo, cirurgicamente  ajustados ao conhecimento da realidade que se reporta, são ingredientes fundamentais. Não era o caso. Então... nada feito! E tem mais, descartei: na Alemanha não tem crioulo, partido alto, Cartola rolando na vitrola, Salgueiro, Flamengo, feijoada, banana d’água, churrasquinho de gato, torresmo... Na Alemanha não tem Guaraná Antarctica, caramba! Isso não poderia dar certo...

Em Montreal, carioca esperta, fui testar aquilo que sempre se disse dos canadenses – que eles, ao volante, param o carro se o pedestre ameaçar atravessar a rua. Mesmo fora da faixa e em plena via expressa! Verdade verdadeira! Lá, o pedestre, que ninguém chama de pederasta, é a prioridade. Mesmo. A justiça social se pode apalpar. O único mendigo que vi vestia um casaco mais bem cortado do que o meu. E era bem gordinho, até... É que, ao final da jornada, os restaurantes servem ao homeless o que sobrou do almoço... do jantar! Ao contrário do Brasil, país da fartura e do desperdício, lá, nada se joga fora! No frio de lascar, os sem-teto dormem nas galerias e shoppings subterrâneos, todos superaquecidos. Uma ambientação que torna difícil acreditar que lá fora a temperatura é de 30 graus negativos! Brrrrrrrrrrrr... E ninguém ousa expulsar os pobres ou atear fogo neles, enquanto dormem...

Canadá. A não ser pela neve, que nada tem de romântica; pelo contrário, produz lama e induz aos tombos, o país das fraturas seria o paraíso para os que apreciam a vida social mais justa e equilibrada.
 
O mesmo se pode dizer da bela Madri, onde tudo é tão limpo e simetricamente arrumado que a impressão que se tem é de que os espanhóis todos sofrem de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). As galerias nunca entopem, porque, simplesmente, o povo, educado, não joga lixo na rua. Simples assim. Se as árvores outonais o fizerem, esticando aquele belo e farfalhante tapete de folhas amarelas, a Prefeitura logo trata de limpar. Pois é... Em Madri, só me incomodam as touradas! Sempre torço pelo touro. Sempre! Torço para que ele enfie o chifre no traseiro dos torturadores.
 
Na milenar Toledo, dentro dos castelos que, na Idade Média, serviram de palco para o sacrifício de milhares de condenados à guilhotina, é possível ouvir vozes, uma espécie de rumor dolorido e choroso. Toledo. Fantasmagórica... e bela! O desenho altivo das ruas, no topo dos morros, empresta à cidade aquele jeito mágico, que não cabe na palavra. Só no sentimento. A cultura moura se materializa na arte artesanal – dos xales aos queimadores de incenso, passando pelos sapatos para bailarinos de dança flamenca, verdadeiro frenesi. Em Toledo, troquei com o belo homem da pele acanelada aulas de samba por aulas de castanholas. E alguns beijos, ainda que fraternos, que, afinal, ninguém é de ferro...

Ah, de fato, há lugares, mundo afora, onde se pode viver sem vista para a pobreza e a violência. Lugares onde a corrupção ainda não virou vício. Lugares maravilhosos nos quais é possível caminhar de madrugada pelas ruas sem assaltos e sobressaltos. Mas todos têm um defeito irreparável: não são o Brasil!

O papa é argentino? É. Mas Deus continua sendo brasileiro. E eu também! 
* da série Escritos Femininos – prosa poética, no prelo

domingo, 10 de março de 2013

INDIGNADA? SIM! E MUITO!

ÀQUELES QUE CREEM QUE ESTOU "INDIGNADA DEMAIS" COM O ANTICRISTO DO MARCOS IN-FELICIANO, RACISTA E HOMOFÓBICO DECLARADO... DESCARADO!

AVISO! NÃO VOU MAIS PARAR ATÉ QUE ELE DEIXE A COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS! E ESTA PÁGINA É APENAS UM DOS INSTRUMENTOS QUE PRETENDO USAR NESTA GUERRA!

CHEGA DE DAR LINGUIÇA PRA CACHORRO TOMAR CONTA!

CHEGA DE RACISMO E DISCRIMINAÇÃO!

FORA, MARCOS IN-FELICIANO!

Vocês todos têm direito à sua opinião. Alias, fiquem com ela!

Mas a verdade é que o quer que os judeus, os negros e os homossexuais façam, diante da dor (atávica) que o nazismo, o racismo e a homofobia lhes impingiram e continuam impingindo, ainda será pouco.

Mas vocês teriam de nascer de novo, judeus, negros ou homossexuais, para entenderem do que é que estamos falando... aqui.

Se nós não nos mobilizarmos, se não fizermos nada, outros Hitlers virão! E esse pulha do Marcos IN-Feliciano leva o maior jeito...

Vocês já viram o filme do diretor e roteirista sueco Ingmar Bergman chamado "O Ovo da Serpente"? Ele conta como foi que começou o nazismo na Alemanha: um dia, uma piadinha sem-graça aqui; outro dia, uma frasezinha nojenta ali e muita, muita gente como vocês, seduzida e cooptada por Adolf Hitler...

Vocês não precisam nos ajudar, se não acreditam na nossa causa e preferem a covardia do silêncio. Mas não o ajudem também, com comentários que tentam desautorizar um movimento legítimo como esse!

Em nome de Xangô, orixá da justiça, fiquem fora disso!

FORA, PASTOR MARCOS IN-FELICIANO!

VISITE A PAGINA ANTIDISCRIMINAÇÃO, QUE ACABEI DE CRIAR NO FACEBOOK, NA CAMPANHA CONTRA O PASTOR RACISTA E HOMOFÓBICO MARCOS IN-FELICIANO. 


EIS O LINK: http://www.facebook.com/groups/439650262779137/ 

 Você que é meu amigo no Facebook já deve ter sido convidado a se juntar a nós, nesta luta, que não é, apenas, de negros, homossexuais, judeus... mas de todo ser humano que acredita no respeito aos semelhantes, por mais diferentes que sejam... Se não quiser aceitar o convite, fique à vontade. Bloqueie o acesso e as mensagens geradas pela comunidade. Nós vamos entender, considerando a gravidade dos fatos e o receio que o envolvimento nesse tipo de luta pode trazer aos que não estão acostumados... Não é o meu caso! 

 Mas, se aceitar ser um de nós, divulgue! Busque outras adesões! Se não recebeu o convite, vá até lá e filie-se! 

CHEGA DE RACISMO! CHEGA DE HOMOFOBIA! CHEGA DE ANTI-SEMITISMO! CHEGA DE DISCRIMINAÇÃO, SEJA DE QUE TIPO FOR! FORA, MARCOS IN-FELICIANO!


Lucia Helena Corrêa, indignada!

quarta-feira, 6 de março de 2013


A casa das moças...*

de Lucia Helena Corrêa

Em algumas coisas, moleque de saias que sempre fui e ainda sou, desde sempre, me pareci com todas as outras meninas. Por exemplo? Na curiosidade que quase chegava a doer, de visitar a casa da esquina. A casa de fachada e luzes vermelhas. A casa que as senhoras do bairro, com ar de desdém, chamavam de “casa de tolerância”. O puteiro!, no palavreado destampado dos rapazes do bairro. Na maioria dos casos, era lá que eles se iniciavam nas descobertas do sexo, levados pelos pais ou irmãos mais velhos.
Minha curiosidade alimentava-se, grande parte, da proibição. “Moça de família, feita pra se casar direitinho, na igreja, de véu e grinalda, não deve passar nem na calçada daquele antro”, destilava Dona Rita, a chefe do verdadeiro exército de defesa da moral e dos bons costumes. Cruz credo!

Mas... por quê? O que de tão ruim poderiam fazer, a nós, “moçoilas” de família, aquelas misteriosas senhoritas. Para não correrem o risco de cruzar com uma “senhora de respeito”, revezando-se iam à padaria todo santíssimo dia, no primeiro horário – às cinco da manhã – para comprar leite e pão... Eu, tendo de estar às sete na escola, era espectadora assídua e encantada daquele verdadeiro desfile privé... Um dia, lembro-me bem, faltaram uns poucos centavos para pagar a conta e uma delas, sem dizer palavra, sorriso no canto da boca, completou...   

Mas as moças da casa de fachada e luzes vermelhas não eram apenas silenciosamente gentis. No mínimo, poderiam nos ensinar, a nós, meninas-moleque, a arte da elegância. Na breve escapada, como que saídas dos porta-retratos antigos, elas deixavam um rastro de fidalguia, portando espartilhos, saias rendadas e até chapéus! Mas, principalmente, um perfume de jasmim, que até hoje incensa a minha lembrança mais fantástica.  

“Fique longe dessas moças”, rosnavam as patrulheiras da virgindade. E eu, que gostaria de copiar a altivez daquelas raparigas, só muito mais tarde pude entender o porquê de todas aquelas mulheres sem orgasmo, de buço, pernas e axilas peludas detestarem tanto as moças da casa vermelha... Com toda certeza, o rancor, invejoso, vinha de saber que lá, nos braços lisinhos e perfumosos daquelas deusas trancafiadas, os maridos, noivos, namorados e filhos iam colher o fruto que a horta de casa, guardada a sete chaves pelo moralismo, jamais lhe concedeu...

Talvez a expressão “casa de tolerância” tivesse outra raiz... Quem sabe? Havia que ter muita, muita tolerância, para suportar a vida de aceitação de homens deformados pelo estilo de vida, barrigudos, bêbados... Homens que exalavam cheiro ardido, violentos, de olhos apagados e, muitas vezes, sexo murcho...

Casa de tolerância? Havia que ter, sim, muita, mas muita tolerância, para esperar o dia em que fregueses bonitos, cheirosos e gentis as levariam, uma a uma, embora dali...
Isso ninguém me disse. Eu mesma ouvi, enquanto aguardava, na varanda da casa vermelha, que alguém me viesse atender: uma das moças se esqueceu de levar a broa de milho pela qual pagara. Era a chance que eu queria para chegar, ao menos, até a porta da casa dos mistérios e arriscar uma bisbilhotice... Enquanto esperava, com o pequeno embrulho de papel pardo na mão, ouvi e vi pela fresta da porta uma das meninas, ajeitando a cinta-liga preta, confidenciar à amiga que a noite tinha sido simplesmente terrível. “Não vejo a hora de sair daqui, me casar, ter filhos, netos”...

Anos mais tarde, jornalista da Última Hora, ouvi o mesmo mantra, recitado pelas moças da casa de tolerância da rua onde nasci, e que, finalmente, pude desvendar, numa entrevista comovente e inesquecível.

Mas foram as mulheres do Mangue, que, sem a mesma elegância anacrônica das moças do meu bairro, sem dentes, peitos caídos e esperança calcinada, me brindaram com a frase de abertura, o lead da reportagem. “Mulheres de vida fácil? O cara que inventou essa expressão para nos definir só pode ser um grandessíssimo filho da puta”...
  
* da série “Escritos femininos” – prosa poética, no prelo 

domingo, 3 de março de 2013

FINALMENTE, DE VOLTA! 

Meus amigos, caríssimos leitores,

depois de quase dois anos de silêncio, a mim imposto pelas complicações da insuficiência renal, já quase refeita, aos poucos, vou retomando as atividades que me dão mais prazer. Entre elas, a produção de conteúdos para o Viva-Voz.

Para comemorar, dois dos textos poéticos que andei cometendo ao longo do tempo em que estive encerrada nos hospitais da vida. 

Sem poesia, não dá!

Lucia Helena Corrêa



A mulher no espelho*

por Lucia Helena Corrêa

O que dizem de mim não fala de quem sou eu... A maioria dos textos apenas me raspa a pele, tal e qual a gilete cega... Muito mais me retratam as muitas cicatrizes, pelo corpo afora. A primeira delas, na batata da perna esquerda, esculpiu-se no aprendizado com a bike, que abandonei antes de aprender a pilotar, a pedido de meu santo pai, o “velho” Guaracy. Sujeito de bom senso... Desastrada, fui estacionar na cerca de arrame farpado. Outra delas está estampada na sola do pé e documenta as andanças sobre tábuas de pregos, na verdadeira perseguição ao meu santo avó, o “velho” Bino, clarinetista e marceneiro. Perdi a conta do número de vezes que recorri às antitetânicas, essa espécie de anjo da Guarda das meninas-moleque feito eu. 

Trago cicatrizes na garganta e no ventre: amígdalas, apendicite, cesariana e vesícula... Só no pescoço, são oito. Oito tentativas, inúteis, de plantar um cateter para as sessões de hemodiálise. Um namorado vampiro, do tipo apaixonado fervoroso, não faria melhor... No peito, duas marcas de cirurgias para plantar outros dois acessos... Tudo isso sem falar nas cicatrizes no braço, para confecção de três fístulas... Na última, agora me bate o meu coração – aquele mesmo que, nos apaixonados e sobressaltados (que diferença?), pulsa na boca ou na mão...

Graças à generosidade da herança genética, ainda, não vejo rugas no meu rosto e ainda posso dar adeusinho sem precisar segurar as franjas sacolejantes do antebraço. Os fios brancos, sem a plástica das tintas, se existem, servem, tão-somente, para iluminar a minha honrosa carapinha.

Mas são tantas as minhas cicatrizes...

Muito mais e mais profundas são, porém, as cicatrizes que trago na alma, na lembrança, lanterna sempre acesa. Aquela cicatriz ali me plantou a perda do meu primeiro amigo, meu irmão de leite, no verde dos sete anos... Antes dele, eu compreendi, de maneira menos sangrenta, o que é a morte, quando um pardal expirou na minha mão, inutilizando todo esforço para reanimá-lo. Naquele momento, eu compreendi o que, afinal é o sopro da vida... De repente, não estava mais ali, mas, sim, uma porção inerte de penas... Que pena!

Todas as cicatrizes da minha alma têm nome, lugar e idade... Um show de perdas e danos... O amigo que morreu ou que desistiu de viver... O amor que se que quebrou e até aquele poema que ficou entalado na inércia da dor mais incomunicável...  Na hora do banho, se a esfregação for mais violenta, as cicatrizem da alma ainda “dolorem”... Mas já não sangram, por maiores e mais profundas que tenham sido as feridas... Afinal, são apenas cicatrizes, sinais claros de que vivi. Mais do que isso, evidências de que peguei a vida pelo gogó e enterrei as unhas nela. Sinais de que amei (muito), odiei (bem menos), de que arranhei e me arranhei na escalada.

E ainda quero mais... Espelho, espelho meu, existe mulher mais feliz do que eu?

* da série “Escritos Femininos” – prosa poética, no prelo   


Vista da janela

por Lucia Helena Corrêa

A dor me paralisa e a morte me espia.
Mas a alma, esguia, águia dos desertos,
não se entrega... e voa... voa... voa...
ainda mais alto do que os jatos
que desfilam no estreito quadrado da minha janela.
(Aonde é que vão?)
Se quisesse, eu os deteria: bastava esticar a mão.
De lá também me piscam as estrelas,
quando as luzes da fé se apagam...
São promessas de repouso e paz na escuridão.
A dor me paralisa e a morte me espia...
Às vezes, a Velha Ridícula me faz caretas.
Mas eu, alheia à ameaça, enriqueço
um pouco mais a cada dia,
contando diamantes na cauda dos cometas.